CONTO
O Pedido
Quantos ladrilhos podem ter em um banheiro minúsculo, em
um restaurante de beira de estrada? Ela já estava ali a mais de meia hora
contando e recontando os pequenos azulejos. Postergando sua volta para mesa.
Torcendo para que o tempo voltasse e ela não tivesse que sair dali e dar uma
resposta. Porque ele tinha que estragar tudo desta forma? Pedir ela em
casamento naquele lugar, naquele dia, naquelas condições. Não, ela não tinha se
planejado para isso. Nem que vivesse mais mil anos teria tempo para absorver o
impacto disso.
Para compreender o que a levou aquele pequeno e mal
cheiroso banheiro, precisamos voltar um pouco no tempo. No outono de dois mil e
quatro, quando Thaiana chegou a São Paulo, de mudança com a família,
proveniente de Marilia. Seu pai era engenheiro em uma fabrica de alimentos e
foi transferido para a filial na capital. Na nova cidade fez questão que as
filhas tivessem uma boa educação. E assim matriculou Thaiana e sua irmã,
Larissa, no colégio Nova Visão. No primeiro dia de aula do quinto ano, ela
conheceu Everson, um garoto um tanto Nerd, mas que foi gentil com ela desde o
primeiro momento. Ali nasceu uma amizade, que com o tempo foi crescendo. Dois
anos depois todos podiam jurar que eles eram namoradinhos. Everson desejava que
fosse verdade, mas ela estava só na vibe da amizade, adorava ter o amigo
inteligente por perto, sendo seu apoio e o ombro pra descansar das peripécias de
garota bonita.
Não era por maldade, ela gostava de saber que podia ter
um amigo, sem segundas ou terceiras intenções. Tinha doze anos, mas aparentava
ter catorze, muitos pretendentes, nenhum realmente agradava a ela. Era nova
demais, ingênua demais, feliz demais para querer se meter em namoros de escola.
Sempre que alguém se aproximava demais, ela saia com a desculpa que era nova
demais para namorar. Em outras ocasiões se agarrava em Everson para espantar os
garotos que queriam chegar muito perto.
Ele não escolheu se apaixonar por sua melhor amiga, na
verdade aos doze anos mal sabia o que isso realmente significava. Mas bastava
vê-la para sentir o estomago revirar, as mãos suarem, e todo o sangue de seu
corpo fluir para o rosto, dando uma vermelhidão incomum. Não era bonito, mas
tinha algum charme a apresentar. Duas ou três admiradoras pra colecionar, mas
nunca disso passar. Gostava que pensassem que era namorado de Thaiana, mesmo
sabendo que pra isso era só um modo de fugir de outros garotos. O tempo passa,
não passa, assim pensava ele que o tempo passaria e ela o notaria.
E o tempo passou, ano após ano. Já tinham quinze! Thaiana
estava a cada dia mais bela. Já não gostava tanto que os outros pensassem que
ela namorava o melhor amigo, isso atrapalhava que o garoto que ela realmente
queria namorar se aproximasse. Larissa por outro lado volta e meia se flagrava
pensando que adoraria que ele olhasse para ela. Mas sabia que ele estava desde
sempre apaixonado pela sua irmã mais velha. Everson sofria calado por vê-la se
aproximando de outro garoto. Ele a amava tinha certeza que em algum lugar do
cosmo, estava escrito que eles tinham que ficar juntos. Sim, no final eles
deviam ficar juntos.
E então ela chegou apressada, tinha uma noticia para ele.
Luan, o tal garoto que ela gostava, tinha a chamado para sair. Ele não sabia o
que dizer, nada disse então. Ela saiu com o garoto. Uma, duas, três vezes, logo
estavam namorando. E Everson vendo sua amada sorrir por isso, chorar, sorrir
novamente. Brigas após brigas, e ele sem perder a esperança de um dia a conquistar.
Um dia ela deveria olhar para o lado e notar que ele sempre esteve ali,
esperando para fazer ela feliz. Mas isso
não aconteceu no tempo que ele esperava, decidiu então se afastar, só um pouco,
e de pouco em pouco quase já não se falavam. O espaço entre eles ficou grande
demais para ser transposto por palavras ao telefone e sms ocasionais.
Dois anos depois, com dezessete anos, ela resolveu
terminar o namoro, que de bom mesmo só teve o inicio, e agora a chegada ao fim.
Sentiu vontade de retomar a amizade, mas não sabia o que fazer, ele não
respondia as mensagens, talvez até mesmo o número de celular tivesse mudado.
Não conseguia encontra-lo em casa. Lembrou-se que Larissa jamais tinha perdido
o contato com ele, foi então pedir ajuda a irmã. A garota disse que ele não
queria ser amigo dela, que era dolorido demais, e ela não entendeu o porquê,
eles eram grandes amigos, eles tinham ficado um tempo afastado, mas sabia que
podiam retomar. A irmã perdeu a paciência – Mana você realmente nunca notou, ou
simplesmente não quis perceber que desde o primeiro dia, ele se apaixonou por
você? – Ela não perceberá.
Seria possível ela se apaixonar pelo melhor amigo? Poderia
mesmo nunca ter notado que a grande amizade era amor disfarçado? Ela sentia-se
bem perto dele, não havia confiança maior, ele era gentil, educado e carinhoso.
Tudo corria bem quando juntos. Ela decidiu encontra-lo de qualquer forma, e
dizer que sentia muito por não ter notado antes os sentimentos que os envolvia.
Não tinha certeza se estava mesmo apaixonada por ele, mas se existia alguém com
quem ela poderia ser feliz, tinha certeza que era com ele. Semanas depois ele
aceitou conversar com ela. Ela expos suas razões para o afastamento, falou de
seus medos e sentimentos. Disse que queria mais que tudo amar ele e que
acreditava que poderiam ser felizes juntos. Era tudo que ele sonhará ouvir a
vida toda. Mas ficou com pé atrás, disse que precisava pensar, pediu uns dias
pra dar uma resposta. Levou uma semana para telefonar, e com a voz embargada
pelo riso e choro disse que queria tentar, queria ser namorado dela.
Era o inicio de tudo, três anos de namoro, cheio de
alegrias, viagens, muitas confidências, consolos, amor e cumplicidade. Ela não
era apaixonada por ele, mas o amava muito. E isso era mais que suficiente para ficar
com ele. Eles eram felizes juntos. Muito felizes!
E então em mais uma viagem romântica, de carro, o mundo
dá uma sacolejada. Após pararem num pequeno restaurante para comparem chocolate
e água. Ele pede para ela se sentar numa das mesas ao lado da janela e diz às
palavras que a assustaram mais do que qualquer outras em sua vida: -... Você
quer se casar comigo!- Ele disse outras palavras que pareceram para ela belas
palavras, mas não conseguia se lembrar de nenhuma outra, ali sentada sobre a
tampa do vaso sanitário do banheiro sujo do restaurante, para onde tinha
corrido sem dizer uma só palavra ao namorado. Agora depois de passado o susto
inicial, ela sabia que ele provavelmente estava do lado de fora do banheiro
esperando pacientemente que ela saísse e desse a resposta. Mas ela não sabia o
que dizer. Sabia que o mais natural era dizer que sim, até porque amava ele, em
todo tempo que namorava ela tinha certeza que queria passar a vida ao lado
dele. Mas de alguma forma o ver formalizando este pedido, a fez ter um enorme
medo de falhar nesta promessa. Só uma pessoa podia ajuda-la naquele momento,
então procurou o celular na bolsa e digitou o numero de Larissa.
– Lari, ele fez o pedido, ele me pediu em casamento. O
que eu faço?
- Ele esta na sua frente?
- Não, eu corri para o banheiro. Acho que ele esta do
outro lado da porta. Não respondi nada!
- E pretende responder o que?
- Eu não sei... Pegou-me de surpresa isso.
-Você o ama? Não ama?
-Sim! Amo muito.
-Então já sabe a resposta, oras!
- Tem razão, eu posso fazer isso. Vou sair e dizer isso
pra ele.
Terminou a ligação, sem esperar a resposta da irmã.
Conferiu a maquiagem no pequeno espelho do banheiro e abriu a porta. Como ela
previra, ele estava encostado na parede oposta, em frente à porta. Ela correu e
se jogou em seus braços. Dizendo sem parar: - Sim, sim, sim... Eu quero me
casar com você.
Os dois casais de idosos que almoçam no local não sabiam
o que pensar dos sons que chegavam ao salão do restaurante. Era muitos sons de alegria
embaralhada com choro e gritos eufóricos. Mas quem vai entender o que estes
jovens de hoje em dia fazem. Melhor deixa-los em paz, talvez assim eles fossem
embora mais rápido.
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