CONTO,

Primeiro Amor

domingo, fevereiro 15, 2015 Paralelo das Letras 0 Comments

Minutos antes o céu chorava em lágrimas de prata e mesmo que agora apenas a cinza chumbo do céu e o ar frio e úmido fizesse lembrar a chuva que passará,  ela ainda se perguntava se era certo o céu chorar tão copiosamente em uma tarde de sexta feira,  mesmo sendo tarde de verão. 

No banco do carona do X5 do pai,  ela ainda matutando sobre a chuva que a pouco caia e nas férias de verão que passará na pequena Fazenda da avó. Enquanto pela janela do Mercedes a paisagem ia se alternando entre enormes trechos de matagal e plantações de verduras e legumes. Sempre há um certo encanto nestas paisagens rurais,  pelo menos no início antes de se tornar monótona e permitir que mergulhemos em divagações mentais. Um grande campo repleto de eucaliptos novos ia passando pela janela e o pai comentou algo sobre ja ter feito algo ali antes de se tornar aquela plantação,  tudo que ela conseguiu captar foi a palavras: futebol. Então simplesmente deu um sorriso amarelo e balançou a cabeça algumdeu vezes. O pai sorriu e se calou novamente. Ela passou a observar céu que ia ganhando tons de azul tímidos,  mas o ar continuava pesado e frio. Em sua mente as lembranças tinham ares multicoloridos e o gosto agridoce da saudade.  Levaria algumas semanas até ela novamente se reunir aos primos e amigos e poder reviver suas lembranças de infância que ia sendo deixada para trás. Aos treze anos ela acabará de viver uma das experiências mais importantes de sua vida,  mas ainda se sentia pouco a vontade ao olhar nos olhos castanhos e tristes de Saulo,  seu primeiro amor e co-autor daquele que Beatriz achava ter sido o melhor primeiro beijo de todos tempos. Agora pensando nisso ela ainda pode sentir a sensação dos mornos lábios dele junto aos dela. Ela sentisse boba ao pensar que não soubera o que dizer após tal experiência,  tudo que conseguirá foi dar um enorme sorriso e abraçar o agora primeiro namorado. O pai pigarreou e antes de olhar para ele lhe veio um pensamento sobre o que ele acharia se soubesse que a filha caçula tinha beijado um garoto embaixo de uma mangueira e que aceitará namorar o tal garoto. Achou melhor não pensar nisso agora,  afinal quando chegasse em casa ela iria descobrir. Sempre contava coisas importantes para os pais,  e isso é importante, não é? Sem dúvida!

O pai disse que eles deviam parar para comer alguma coisa no próximo quilômetro,  porque depois que entrassem na rodovia ele queria ir direto. Ela disse que estava sem fome,  afinal havia se empanturrado de guloseimas na casa da avó.  O carro dos tios os ultrapassaram pela esquerda e os primos acenaram em meio a breves buzinadas.  O pai parou no posto de gasolina e comprou algumas guloseimas e duas garrafas de água mineral sem gás. Os tios tinham optado por seguir direto para Marília. Era horrível para ela morar tão longe da família,  a avó em São Carlos,  e os tios e primos em Marília, enquanto ela morava na Capital com os pais e dois irmãos mais velhos,  ambos ja na Universidade. Mas o trabalho dos pais fazia com que eles precisassem morar em São Paulo e o dos tios que permanecessem no interior,  mesmo que trabalhassem na mesma empresa que fora fundada pelos bisavós de Beatriz quando chegaram ao Brasil fugindo da perseguição aos judeus da Europa. Eles tiveram a sorte de sair da Polônia antes da chegada dos Alemães e suas tropas esmagadoras,  eles deixaram a terra Natal assim que houve tumultos e boatos da grande invasão.  Alguns podem achar que foi uma atitude medrosa ou mesmo covarde,  mas assim eles conseguiram contrabandear boa parte de recursos em forma de Ouro e outras pedras preciosas,  além de não terem se tornado vítimas dos terríveis massacres aos judeus poloneses.  Quando em vida a bisavó da garota sempre dizia que sua história nunca seria heroica e bela como a de Anne Frank,  mas ela ainda estava viva pra contar,  mesmo que com uma enorme dor pela perda de seus irmãos e irmãs que foram caçados como bichos e humilhados das piores formas, a ponto de muitos considerarem a morte como um presente. Com o restou após os muitos pagamentos a atravessadores, autoridades,  e aproveitadores,  eles abriram um pequeno entreposto de grãos e café,  e com muito trabalho e cuidado o negócio foi prosperando aos poucos e passando para as outras gerações.  Agora o pai de Beatriz e seu tio sendo os herdeiros cuidavam da empresa. Enquanto o tio mais velho, Otto,  cuidava do relacionamento com os produtores e cooperativas do interior,  o pai,  Neil,  era responsável pelo escritório Central de venda e negociação com clientes nacionais e internacionais. 

Aos poucos a cidade de São Paulo foi aos poucos se mostrando no horizonte,  linda e imponente se mostrando com seus arranha-céus.  Beatriz aproveitou para mandar mensagem para seu namorado,  ele ainda estava no sítio da família,  e disse que queria estar com ela, e a maior verdade do mundo era que ela também não queria outra coisa no mundo. Quando a garota saiu de São Paulo para passar dois meses e meio na Fazenda da avó,  com os primos e para rever os amigos de lá,  ela não podia imaginar tudo que estava reservado para aquele verão. Henrique,  o primo,  e Larissa,  a prima,  eram muito próximos de Beatriz, os três tinham idades muito proximas e confidenciavam tudo um para o outro. A turminha de férias era completada por Adriano,  Mônica e Gustavo,  os amigos de infância deles.  Saulo entrou na história duas semanas depois que eles chegaram a Fazenda da familia Berg,  em uma das excursões da turma pelos arredores, Adriano notou antes dos outros um garoto em cima de uma enorme árvore que eles mesmo gostavam de escalar as vezes. Quando se aproximaram da árvores divisaram um garoto da idade deles com os cabelos escuros e olhos  castanhos e um pouco tristes. 

   - Oi!  Vocês moram por aqui?  - O garoto apressou-se em dizer - Meu nome é Saulo,  vim passar as férias no sítio da minha família.
 
 - Oi,  nós também estávamos passando férias,  na fazenda da nossa avó. Fazemos isso todos os verões,  mas nunca te vimos por aqui. Eu sou o Henrique,  esta é minha irma Larissa,  e meus primos Beatriz,  Adriano,  Mônica e Gustavo.

    - Prazer!  É que minha família acabou de comprar o sítio, ele fica logo ali,  da pra ver daqui.

   - Vocês compraram o sítio dos Soares Campos?  Poxa,  o Jhony é nosso amigo.

   - Sinto muito pelo seu amigo,  mas se quiserem podemos ser amigos,  não conheço ninguém,  nem nada por aqui...  Podem me mostrar!

   - É claro que sim...

Beatriz sentiu-se estranha diante do garoto e pode notar que ele também estava desconfortável,  pois não a encarava também,  apenas trocavam olhares furtivos.

   - Vamos nadar no lago,  você pode vir com a gente se quiser. - Adriano convidou

   - Se estiver tudo bem para vocês,  eu vou sim.

Dez minutos depois eles estavam em trajes de banho se balançando em uma enorme corda e se jogando no lago. Quer dizer menos Saulo que não tivera tempo de pegar uma roupa melhor para nadar e agora estava com a bermuda completamente encharcada. As garotas mergulharam e foram pegar sol na Beira do lago,  e aos poucos para Saulo foi ficando impossível não observar Beatriz,  ele ficava a todo instante do conselho do pai para nunca ficar encarando por muito tempo uma garota em trajes de banho,  porque isso era indiscreto e errado,  mas era como se algum tipo de magnetismo o levasse a não conseguir desviar o olhar. E notou que ela também olhava a todo instante para ele. Será que ele estava a deixando desconfortável e sem jeito?  A prima e amiga voltaram para a água e Beatriz ficou na beira do lago apenas molhando os pés.  Saulo estava se divertindo com os novos amigos e queria conhecer a todos eles,  então achou que era melhor conversar com ela do que ficar de longe só olhando como um bobo. Foi assim que descobriu que ela morava a alguns bairros dele,  que Deus colégios eram no mesmo bairro e que ela tinha gostos parecidos com os dele. Eles tinham muito incomum e logo a amizade ja ia nascendo. Adriano e Henrique vieram pegar o novo amigo e o jogaram na água gelada do lago e ele sentiu os minúsculos cristais de água invadindo seus poros de modo refrescante, quando voltou a tona viu que eles tinham feito o mesmo com Bia,  que agora sabia também ser apenas prima de verdade de Henrique e Larissa, mas que considerava os outros amigos como primos postiços. Eles se ergueram muito próximos a ponto das mãos se tocarem enquanto tentavam se livrar da água no rosto. Passaram metade do dia no lago se balançando na corda e caindo na água e a outra metade depois do almoço cavalgando pelos campos ao redor com cavalos da fazenda. Os dias passaram rápido e muito prazerosos para todos eles, e a cada dia eles ficavam mais próximos.  Larissa foi a primeira a notar o que estava realmente acontecendo e perguntou a prima se ela estava gostando do Saulo,  a garota não negou que apesar de nunca ter gostado de um garoto, ela achava que estava interessada em Saulo,  mas que não sabia se para ele era apenas amizade e que tinha medo de perguntar. Coube a Henrique a tarefa de sondar o amigo sobre o que achava de Bia,  no início o garoto achou que o amigo queria tirar satisfação por causa da prima,  mas logo entendeu que era apenas perguntas entre amigos,  e não negou que estava gostando da garota. O meio de campo tendo sido feito eles sabiam do interesse mútuo entre eles e tiveram uma conversa franca e tão séria quanto a idade deles permitia. Bia confessou nunca ter ficado com outro garoto e ele disse não se importar afinal ele mesmo só dera um beijo até aquele dia. Desde a conversa até o pedido de namoro demorou dois dias,  e dali até o primeiro beijo mais 5 dias.  E nos dias que seguiram se divertiram muito junto com os amigos. O namoro deles era muito inocente para atrapalhar a convivência e diversão com os amigos,  eles se sentiam bem e contentes com a presença do outro ao lado e de sempre que possível andarem de mãos dadas seguidos de beijinhos.

Agora um mês quase dois meses depois eles estavam separados por varios quilômetros,  mas que em breve se tornariam apenas algumas quadras.  E o plano ja estava feito e decorado por eles,  algumas vezes por semana Saulo iria encontrar Beatriz a caminho a escola ja que era caminho pra ele. E sempre estariam em contato pela redes sociais. E quando os pais de ambos permitissem eles poderiam ir no shopping,  cinema ou passear pelo bairro. Eles estavam contentes com isso. E não viam motivos para seus pais não permitirem o namoro.

 Quando o carro foi estacionado na garagem da casa da família Beatriz já  tinha adormecido a mais de meia hora. E o pai teve que acorda-la. Quando chegaram na sala de estar a mãe, Liliane,  estava assistindo um documentário enquanto os aguardava. Beatriz lhe deu um abraço cheio de saudades e  pediu para conversar com os pais. Melhor que seja feito de uma vez.

   - Vocês se lembram do meu amigo Johny?  A família dele tinha um sítio la perro da vovó,  mas agora foi vendido pra outra família.
   - Sim,  eu sabia disso,  o Matheus,  me pediu para ver se alguém conhecido queria comprar o sítio.  Fomos criados juntos sabe?
   - Então na família que comprou tem um garoto e ele é muito legal de verdade,  Eles moram a algumas quadras daqui.
   - Filha,  esta conversa toda sobre esta família vai chegar a algum lugar?
   - Calma mãe... O menino se chama Saulo e ficamos muito amigos de verdade,  e eu estou gostando dele.
   - Você está gostando dele como amigo,  ou vou esta nos informando que está vivendo sua primeira paixão?
   - Pai,  ele  gosta de mim também e estamos namorando - Foi estranho dizer isso em voz alta para os pais,  ainda mais olhando pro sorriso de lado do pai - Vocês nos deixa namorar?

O pai tomou uma posição ereta:

   - De molho algum,  não mesmo... - o coração da garota parou - Não antes de conhecemos o garoto.  Vou ligar pro Herbert agora mesmo e marcar isso
   - O... Senhor conhece o seu Herbert? 
   - É claro minha filha,  eu ia falando,  mas você não me deixou concluir não é? Ele é cliente da nossa empresa e indiquei o sítio para ele comprar.
   - Mas eu posso ou não namorar o Saulo?
   - Pode, a família é boa e são nossos amigos,  mas não vou deixar um garoto namorar minha filhinha sem que um pedido formal.
     - Filhinha,  o seu pai está brincando,  você pode ter seu namoradinho,  mas precisamos conhecer ele. Ok? E isso não pode atrapalhar seus estudos.
   - Pode deixar mamãe.
   - Ele estuda no seu Colégio? 
   - Não,  ele é do Dante,  mas é perto né.
   - É sim,  mas é bom que não estejam no mesmo Colégio, assim não se distraem muito. 
   - Verdade mamãe. Vocês são pais incríveis!  Agora vou descansar. Beijos

Assim que chegou no quarto ela ligou pra Saulo e contou o que os pais dizeram,  ele ficou feliz demais e disse que iria na casa dela quando fosse melhor pra eles. Ele estava na estrada voltando pra casa.  E disse que já tinha contado para os pais que estava namorando com ela.  O pai disse que o pai dela era um bom amigo e parceiro valioso de negócios e que ele devia cuidar bem da garota. E assim eles seriam felizes em seu primeiro amor.

A vida é assim,  não é?  Mesmo em dias nebulosos em que o céu chora em gotas prateadas em nossas mentes pode estar fazendo um dia claro em que  os raios de sol brincam de aquecer o rosto. Não importa muito se os caminhos desconhecidos aparecem querendo nos levar a encruzilhadas,  porque existe mesmo um coisa que faz tudo valer a pena, o amor,  ele tem o poder de unir pessoas,  trazer alegria ao coração. Encontramos amor nos pais que nos apoiam, nos amigos que se tornam irmãos,  nos irmãos que se tornam amigos,  nos primos que são confidentes e em sorrisos aleatórios de desconhecidos.

As histórias que vão se entrelaçando com as nossas nos levam a um amadurecimento concreto,  faz com que a gente cresça muito por sentirmos os sentimentos dos outros. Dividir a vida com outras pessoas é abrir mão de qualquer restrição sentimental e expandir nosso mundo. Beatriz, Saulo,  Henrique,  Larissa,  Mônica,  Gustavo e Adriano são personagens comuns do cotidiano e tem muitas histórias para dividir. Tudo que podemos esperar e que em outra oportunidade eles queiram dividi-las conosco.

0 comentários: